(...) A prática de orar em silêncio, de aquietar a alma para
meditar na Palavra e de escrever ressonâncias depois que alguém compartilha
percepções espirituais, me deixou
boquiaberto. Eu acreditava em preces barulhentas. Achava que Deus gostava de
decibéis exagerados. Aliás, preciso confessar, eu mesmo já insulflei auditórios
com a clara intenção de produzir frenesi para “mostrar” categoricamente que
Deus “operava em nosso meio”. (...) Passei a desejar uma espiritualidade de
afetos. Abandonei o esforço de fazer de minhas orações uma técnica de colocar
Deus em movimento. Destruí o altar que eu erguera para acionar o divino.
Reaprendi que orar é inspirar ausências. Sem muitos barulhos, colocar a alma numa
quietude parecida com a que o sumo sacerdote experimentava ao entrar no Santo
dos Santos. Noto que os cultos, as missas, se tornaram agitados. Pergunto-me se
o ritmo alucinante das músicas e das danças não seriam fugas. Na agitação,
evita-se o confronto com a interioridade e, consequentemente, com Deus. Agora,
só agora, começo a intuir o significado de orar no quarto fechado, em secreto.
(...) Desejo vivenciar minha espiritualidade em atos devocionais. Pretendo
transformar-me em um adorador que faz do “seguimento” de Jesus a melhor
expressão de sua piedade. Liturgias centradas em emocionalismo desmerecem a
tradição profética dos dois testamentos. O melhor culto é defender a justiça.
Deus não gosta de ajuntamentos com liturgias autocentradas, que só buscam
canalizar o seu favor. O verdadeiro culto disponibiliza pessoas para cuidar de
órfãos e viúvas – esta é a verdadeira religião, segundo Tiago. Qualquer
verticalização do louvor só tem sentido se promover a verticalização do
serviço. Espiritualidade é reconhecer Deus no rosto do pobre, do nu, do faminto
e do desterrado; tudo o mais é individualismo travestido de piedade. Anseio por
reuniões que celebrem a graça, sem paranoias espirituais, sem alguém tentando
infundir culpa para descansar no inescrutável amor de Deus. Quero participar de
comunidades leves, sem as afetações próprias do glamour do mundo, onde os
sorrisos sejam gratos e os abraços, sinceros. O caminhar de Jesus não combina
com lugares espetaculosos. Viver os valores do seu reino prescinde de holofotes.
- Ricardo Gondim, revista Ultimato Ano XLIII, n° 323
Um comentário:
Verdade, acredito muuuito nisso, Deus não precisa de holofotes. bjs e bom fim de semana.
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