quarta-feira, 21 de setembro de 2011

150.

Com o passar tempo, você finalmente superou. E um dia não foi mais tão estranho encontrar com ele nos lugares. Seu corpo aprendeu onde colocar as mãos sem que elas parecessem perdidas no seu próprio bolso. Seus olhos aprenderam a não procurar por ele nas festas e a passar de relance por todas as mulheres que seguravam o braço dele, numa mistura de ódio e simpatia, e também aprenderam a não chorar toda vez que ele fazia você se sentir mais uma na listinha dele. Seu cérebro aprendeu que essas coisas do coração doem demais e que você precisa pensar umas trezentas vezes antes de se apaixonar por qualquer homem minimamente parecido como ele. Sua boca também aprendeu a não te xingar baixinho de estúpida quando aquilo tudo voltava como um filme na sua cabeça. Sim, você aprendeu, a duras penas, e quando nem a sua mãe colocava mais fé no seu adorável dedo podre para homens. Aí o tempo passa, você toca a vida, e aqueles encontros com ele são só mais uns encontros comuns, como todos os outros, até o dia em que você resolve, espontaneamente, se interessar por um primo de quarto grau, um amigo afastado ou um conhecido dele, porque o mundo é pequeno mesmo, fazer o quê. Azar o seu, parte pra próxima. Assim como um cachorro quando passeia na rua, ele vai fazer questão de marcar o território dele, ou o ex-território, que nesse caso é você. Como? Fácil. Segurando a sua mão, pegando no seu queixo, mexendo no seu cabelo ou usando qualquer outra estratégia milimitricamente calculada bem na frente do seu prospect, deixando bem claro que ninguém é de ninguém, mas só até o momento em que ele balizar alguma mulher que já foi dele com um sutil, mas significativo toque. E é nesse exato segundo, distraída com a pseudo delicadeza do gesto, que você se transforma numa mulher-poste. Aí não tem mais jeito. O cara que você nunca teve já era, o cara que você queria naquele dia já era e você também já era, marcada por uma coisa que nem existe mais, que você já superou e que ele também já superou, mas que ele é muito pouco homem para simplesmente deixar ir. E antes que você pense que eu ia poupar você - e eu - dessa terrível constatação, aqui vai ela, eternizada na grande lamentação existencial de um poste, após receber a visita de um cachorro: sim, ele mijou em você.  por Maria Rita Angeiras


3 comentários:

Agda Y. disse...

hahahaha. Tão inspirado o texto. E no final engraçado... belo poder de escrita!

katy disse...

amei o texto, mari. quando a gente lê assim parece até um capítulo de livro, desses romances baratos que estão a venda nas bancas de jornais. mas aí, uma luz acende na sua frente e pronto, você percebe que o capítulo de um livro barato é mais um capítulo da sua vida. perfeito!!! bjs

Sthefany disse...

Bem que dizem que homens são uns cachorros mesmo. Ofensa pro cachorro, eu diria.