sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

69.

                      


                         Tenho um amor secreto. Absolutamente platônico. Apenas o vejo, e ele também me vê. Mas não nos falamos. Amo-o há anos. Ele é como um fantasma que me persegue, sempre presente atrás de uma porta, quase todas as portas que me atrevo a cruzar. Entro em qualquer lugar e procuro por ele, mas ele está aqui, do lado de dentro. Às vezes suspeito que os outros também o veem, embora de modo difuso e impreciso. Os amigos mais íntimos também tem lá suas suspeitas, tentam decifrar alguns de meus suspiros repentinos, minha inquietação. Mas nunca confirmei, nunca confessei. Nem sei bem como expressar esse amor. É uma atração sim, mas não é apenas isso. Nunca antes havia amado dessa forma, assim sem conversas, sem conteúdo. Também não é exato que só a forma dele me atrai. Ele nem é tão bonito assim. Tem todo um charme, mas é do tipo comum. Está quase sempre brincando, rindo muito, talvez numa forma de escapar do caos de seu mundo. Tem um andar seguro, pouco elegante, como se mancasse das duas pernas. Às vezes até parece um sex-symbol. Às vezes. Por conta de sua sensualidade contida, profunda, guardada, como um botão que ainda vai desabrochar. Pelo menos, assim o percebo. E assim o imagino. Sim, imagino, ou intuo, o conteúdo.
                       A ausência de comunicação me confina à intuição, a diálogos prováveis, a trocas possíveis. Sempre que alguma coisa me perturba muito, positiva ou negativamente, penso em como ele reagiria àquilo. ueria saber se gostou do filme que acabei de assistir, se aprecia o duvidoso gosto musical, se lê meu blog, o que está lendo, quais são seus pratos preferidos, seus hobbies, seus sonhos e desejos, opiniões e crenças. A coisa é tão platônica, que minha ânsia mais imediata é a de conversar com ele, de verdade. Ouvir-lhe a voz, observar como os olhos e as expressões do seu rosto acompanham o que ele está dizendo. Daria um dente da frente por um encontro com ele. Pode ser num lugar público, privado, o que for. Oportunamente eu encontraria um modo de tocá-lo, no ombro, na mão ou no joelho. Um toque rápido, coisa de amigo, mas com um significado enorme pra mim, desde minha prisão por grades platônicas. Ainda não consigo pensar em beijo, ou sexo. Mas imagino seu corpo, sua pele, as formas, o cheiro, o calor. Tudo muito esparso essa coisa de corpo, baseado em outras referencias e suposições, a partir de suas partes normalmente visíveis, como pescoço, cabeça, cabelos, braços, mãos, a curva das costas sob a camisa.
                       Sofro por não conseguir afastar esse fantasma. Dobro cada esquina na expectativa de encontrá-lo. Não cheguei ao ponto de repelir os outros homens. Minha vida não foi paralisada. Estudo e vivo normalmente, me envolvo, quase me apaixono toda vez. Mas são chamas rápidas, efêmeras, extremamente frágeis. No final de tudo, no momento íntimo do cansaço e da reflexão, do balanço das horas e do tempo, lá está o meu amor, a minha fantasia. Ele é o que eu queria, o que ainda quero. Não estou muito confortável. Preferiria um amor de carne e osso, nome e sobrenome, qualidades e defeitos, humano e real. E às vezes me atemoriza a suspeita de que o fantasma me impede de amar alguém real. Me prende, me enfeitiça. Ao mesmo tempo, o fantasma me provoca sentimentos tão doces, sonhos tão elevados, desejos tão puros e sólidos, tudo tão superior à mediocridade do cotidiano, aos encontros banais e enfadonhos e desencontros da vida palpável.
                         Ainda não me impus um ultimato, uma escolha derradeira entre o fantasma e a vida. Até porque foge ao meu controle. Para mim, a felicidade parece possível se o fantasma se materializar nele, o homem que existe, de carne e osso, longe e incógnito, sem nome ou endereço. Mas de verdade.
                         Oro todos os dias por esse milagre.


(03 de setembro de 2006)


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

68.




20 anos, Marianne. 20 anos. E essa é a pergunta que não quer parar de ecoar na sua cabeça:
o que você está esperando? Papai Noel?

Se orienta.